domingo, maio 22, 2005

A lua estranha

E aquela lua tão estranha feria-me então os olhos, como hoje me fere as lembranças. Lembranças de noites assim. Lembranças de noites em que descíamos o rio, os barcos ajoujados de mercadorias que venderíamos no mercado de manhãzinha. Noites em que o ar gélido que subia das águas, entrava por entre as nossas roupas e nos mordia o corpo. Dentadas que picavam como agulhas e nos arrancavam soluços. E aquela luz da lua, tão estranha, nada nos aquecia. Porque é que a luz da lua não nos aquece? Mesmo a luz desta lua tão estranha? Porquê? Mas na altura não fazia perguntas! Calava-as na garganta, como quem cala um suspiro. Por vezes cerrava os olhos. Custava-me ver a lua.