sexta-feira, maio 20, 2005

A Lenda da velha, do monstro e do jovem

Há muito, muito tempo, ainda o mundo era uma criança, num longínquo reino, as gentes eram pasto do medo. Um feroz monstro, talvez um demónio, empestava as terras com o seu bafo, queimava as colheitas, secava o leite das mães!

E ninguém o conseguia matar. Foram chamados os mais valentes cavaleiros, os mais fortes guerreiros, mas só olhar para a besta era suficiente para ficarem gelados pelo medo. Os seus ventres eram rasgados, as suas cabeças decepadas pelas suas garras, como quem corta uma espiga com uma foice.

Já desesperavam as gentes, os pobres e os ricos, os fracos e os poderosos. Quem os poderia salvar?

Um dia chegou ao reino uma velha e pobre mulher. Envolta em trapos, do seu rosto só uma nesga se via, os seus olhos. Mas estes eram o contraste completo com a sua figura. Brilhantes e vivos, mais pareciam os olhos de uma criança curiosa. E mal entrou nas terras do reino foi dizendo, a quem a queria ouvir, que para matar o monstro tinha ela o remédio.

Aos ouvidos do rei da terra a arenga chegou. Desesperado mandou chamar a velha:
- Dizei velha, qual o remédio para matar o monstro
- Dilo-ei, meu senhor. Mas uma condição vos ponho.
- Qual?
- Trazei à minha presença sete jovens, dos mais formosos que existirem no vosso reino. Um deles casará comigo, mas só se o desejar. Trazei também um oleiro, ele é a chave para os vossos problemas. Quero também um salão onde ninguém me poderá incomodar.
E o rei assim fez. Sete jovens foram trazidos, qual deles o mais formoso. E veio o oleiro. Estranhamente os jovens sentiram-se enfeitiçados pelos olhos da velha, cada um deles julgou ali estar o amor da sua vida. A velha fechou-se então, com o oleiro, no salão e ali esteve, durante sete noites e sete dias. Quando as portas do salão se abriram os presentes puderam ver sete estátuas de cerâmica da velha e sete estátuas do monstro. Da velha, nem sinal e falou o oleiro:
- A velha mandou dizer que quem desejar casar com ela deve levar consigo uma estátua dela e do monstro. Na montanha deve construir um castelo e aguardar.
Os sete jovens ficaram confusos.
- Mas porquê?
- Não devem fazer perguntas, são livres de não o fazerem, mas para obter o que quereis, terão que obedecer! Quem não o quiser fazer que se vá já embora.
Um a um, os jovens viraram as costas e foram-se embora. Só um ficou, logo o mais jovem. E foi esse que partiu para a esforçada tarefa. Construir um castelo, para livrar o reino de um monstro e casar com uns olhos de feitiço.

Durante sete longos anos o jovem penou na montanha. Arrancou a pedra, construiu altas muralhas e no meio, uma torre. E todas as noites olhava para as duas estátuas de cerâmica e adormecia. Finalmente o castelo ficou pronto. Nessa noite, quando o jovem olhou para a estátua da velha deparou com uma linda jovem, só os olhos eram os da velha, negros e brilhantes.

- Vai, sobe ao alto da tua torre, prende a estátua do monstro o mais alto que puderes, deixa que a água da chuva lhe escorra a maldade e, assim como a água não correrá para dentro da torre, também o mal não entrará neste reino!

O jovem assim fez, subiu ao alto da torre e prendeu a estátua do monstro. Mas quis o destino, que mal o jovem tivesse acabado de prender a estátua, lhe tivesse falhado o pé e ele caísse da torre que com tanto esforço construiu.

Reza a lenda, que todos os anos, na noite de S. João, uma velha aparece na torre e amaldiçoa aquela estátua de cerâmica, ali dependurada.

O monstro? Esse desapareceu, como que por artes mágicas...