quarta-feira, maio 25, 2005

Na Borda do Penhasco

Sentado na borda do penhasco, as pernas balouçando sobre o abismo, pensava, talvez na sua vida passada, ou sonhava, talvez num futuro quase presente. Um ar absorto, ausente, num rosto angular. Naquele local a natureza cálida, pesada, como que convidava a um olhar interior. Aqui, a solidão era necessária, uma conversa, mesmo que a dois seria uma profanação, maior que a destruição de um templo. Numa garganta apertada com paredes a pique, o ribeiro tinha aberto o seu leito, pacientemente, séculos e séculos a fio, num granito negro e branco, para depois se lançar no espaço, quase com fúria, indo cair metros abaixo, aí se acalmando, espraiando-se numa vasta caldeira, antes de retomar a sua busca de horizontes mais largos. Com menos paciência que o ribeiro, alguém tinha construído, no mesmo granito, uma ponte. Alcandorada na garganta, permitia a passagem para alguma aldeia perdida na serra e um abraço entre dois caminhos, quase veredas, que vinham e iam para longe, para lá da solidão.
Quem era aquele homem aquele homem, sentado na borda do penhasco, de ar absorto e ausente, balouçando as pernas no abismo? Em que pensava ele? Com quem sonhava ele?
Cá em baixo, junto ao ribeiro, no local em que ele descansava antes de novas viagens, fervilhava a vida, libelinhas zuniam, de vez em quando, nas moitas junto ás margens, um restolhar dava conta de alguma passagem mais possante, nas águas frescas, os corpos fusiformes dos peixes deixavam relâmpagos de prata no olhar.
Lá em cima, continuava o mesmo homem, na sua solidão sonhadora, quase mística, quase veneradora, no rosto um ar ausente… Quem era aquele homem, que fazia ele ali, no meio daquela serra onde o ar cálido de uma manhã de verão, trazia promessas de um meio-dia abrasador?
No ar voltejavam andorinhas, num bailado estranho, num ritmo ora rápido, como se fugindo, ora mais lento, como quem aprecia a paisagem. Mais acima, pairava numa vigilância permanente, uma águia.
Então o homem deixou de balançar as pernas, deixou de estar absorto e sorriu. Calmamente ergueu-se do seu poiso, o abismo negro e branco a seus pés, vertiginoso, parecia ainda mais fundo. Sempre a sorrir, o homem olhou para o céu e viu a águia, pairando num voo, sempre circular, milenar, um voo que todas as águias fazem desde o nascer dos tempos. Viu também as andorinhas, ora nervosas, ora calmas. Olhou para baixo, sorrindo ainda, apreciou os dorsos dos peixes prateados, as libelinhas, verdes, azuis, arco-íris voando sobre as águas.
O homem deu dois passos atrás, de um saco retirou uma máquina fotográfica e começou, calmamente, a fotografar tudo o que via...

1 Comments:

Blogger Gaspar LDVS said...

Tem uns sites deveras interessantes; sentir-m-ia honrrado se visitasse o meu:
http://www.maquiavelicopolitica.blogspot.com/

12:40 da manhã  

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